terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PILOTANDO NA AREIA

Em primeiro plano, Luiz Almeida, o autor

Não é minha pretensão aqui dar uma de “professor” e querer ensinar às pessoas que possuem motos do tipo trail a pilotar em terrenos arenosos tipo dunas ou beiras de praias. Quero apenas dividir com os irmãos em duas rodas o que fui aprendendo ao longo de muitos anos pilotando em trilhas, competindo em enduros de regularidade e fazendo muitos passeios pelo litoral.

Em primeiro lugar, tal como na música erudita, é preciso ir aos poucos, admirando partes de um movimento sinfônico ou uma bela ária de ópera para ir educando o ouvido e despertando o gosto pela obra inteira. Assim é na areia. Levar um estreante direto para dunas ou areiões pode assustar, causar prejuízos físicos ou materiais, além do cansaço e quiçá o vexame de ter que empurrar várias vezes uma moto atolada na areia, fazendo com que o iniciante desista e não queira mais repetir a experiência.

Portanto, tal como o famoso esquartejador, vamos por partes.

Em passeios fora de estrada, sempre é importante ter a companhia de outros motociclistas. Entretanto, mesmo que em beira de praia seja menos necessária a ajuda de terceiros do que em trilhas travadas, o ideal é fazer estes passeios com amigos mais experientes.

Recomendo que se baixe a calibragem do pneu traseiro, vamos vai precisar de mais tração. Deixe-o com aproximadamente quinze libras, caso esteja sem calibrador, reduza a pressão do pneu até que ele forme uma “barriga” mediana com o peso do piloto sobre a motocicleta. Pode-se manter o pneu dianteiro com a calibragem recomendada pelo fabricante ou com duas libras a menos.

Para começar, vamos para aquela parte da praia em que, quando a maré baixa, deixa uma boa faixa de areia dura. Claro para chegar nesta areia, teremos que atravessar um trecho de cerca de trinta metros (varia muito a cada praia) areia seca e frouxa. Sem susto. Com os pés no chão, vá tocando a moto em primeira marcha, acelerando suavemente e trabalhando a embreagem.

Passada a areia frouxa encontraremos uma areia durinha, até um pouco úmida, parece que não tem nada diferente do asfalto. Calma, tem diferença sim. A areia é instável e a qualquer momento e sem aviso pode ficar frouxa. Observe as marcas dos pneus das motos que seguem na frente e fique alerta quando notar que ficaram mais profundas. Ao sentir a moto balançar, acelere um pouco. Isto dará mais tração e, consequentemente, maior controle ao piloto. Sempre digo que a insegurança é que derruba um piloto na areia. Procure sempre manter a aceleração, pois, quando assustados, desaceleramos a moto, perdendo parte do controle sobre ela.

Pilotos experientes são vistos conduzindo a moto de pé sobre as pedaleiras. Vão te dizer que esta é a melhor posição de pilotagem nesta situação. Mas como ficar em pé se você ainda não adquiriu a segurança para tal? Baixar o centro de gravidade da motocicleta é o principal objetivo de quem fica em pé. Você poderá fazer parecido jogando seu peso para as pedaleiras sem necessariamente ficar de pé. Como sabemos, na Motocicleta, o piloto faz parte do veículo. Quando você está montado normalmente na motocicleta, a maior parte do seu peso está sobre o banco da moto. Ao ficar de pé, você transfere todo este peso para as pedaleiras, portanto, baixando o centro de gravidade. Isto facilita o domínio da máquina em trilhas e em areia frouxa. Observe que eu não recomendo ficar de pé logo de início. Sugiro que o piloto se levante um pouquinho apenas. Desta forma, sem susto, ele perceberá que aumenta o controle. Mantenha os cotovelos junto às costelas e aperte o tanque com os joelhos. Com estas ações você perceberá que seu controle sobre a moto aumentou muito.

Mas, calma. Ainda não é necessário ter muita habilidade, ainda estamos na areia dura. Porém, será partindo desta areia dura que você vai adquirir segurança para vôos mais audaciosos.

A praia está bonita, céu claro e a brisa marinha compõem poemas de alegria. Você talvez nem esteja percebendo isto. Tudo bem, mantenha-se concentrado na moto e no terreno. Vá cruzando as marcas dos pneus das outras motos, sentindo sua moto balançar um pouco e vendo que isto é natural, que não significa queda e que, como disse antes, basta uma pequena torcida no acelerador para se manter no rumo. Cuidado com pequenos riachos, eles podem ser mais profundos do que imaginamos. Na dúvida, atravesse-os diagonalmente a favor da correnteza.

Na areia firme, as curvas são quase do mesmo jeito que na estrada. Porém quando a areia está mais fofa, é interessante manter, como sempre, a aceleração. Uma ação que ajuda muito nas curvas em areião e forçar o peso na pedaleira contrária ao ângulo da curva.

Para ir ganhando tarimba, conforme for se sentindo seguro na moto, afaste-se da faixa mais dura da areia e vá sentindo o comportamento da moto na areia mais frouxa, que fica além das marcas da maré cheia.

Não esqueça de usar o nosso velho companheiro capacete, mesmo um aberto é muito importante para a proteção em caso de queda. Existem muitas aflorações de pedras ao longo do litoral, não estamos em piso estável. Jamais esqueci a perda de um amigo que bateu com a cabeça numa pedra em passeio solitário por praia de poucas pedras. Na verdade, equipamento completo é sempre o ideal.

Creio que depois deste passeio inicial você já estará mais seguro e sairá da praia passando pela faixa de areia frouxa bem melhor do que quando entrou. Tome distância para pegar velocidade, defina e mantenha o rumo que vai fazer e entre no areião acelerando sem vacilar em segunda marcha. Mantenha a aceleração, tire levemente o traseiro do banco, os joelhos devem está apertando o tanque. Cuidado na hora de freiar ao terminar a faixa de areia, calcule a distância e use levemente o freio traseiro para evitar que o roda dianteira afunde a areia. Lembrando sempre: a desaceleração é que derruba o piloto.

Atolar na areia frouxa não é vergonha para ninguém. Todos que se aventuram em pilotar em dunas e areiões estão sujeitos a isto. O que fazer ao ver a roda traseira afundada até o eixo? Simples; deite a moto para um lado e arraste-a pela parte de trás, tirando assim a roda da cova que ela mesma cavou. Fora da moto, ligue o motor, engate uma segunda e vá acelerando devagar até sair do lugar crítico. Acelerar forte em primeira marcha só vai fazer a roda afundar ainda mais.

Como eu disse no começo, vamos cartesianamente por partes. Acontece que as partes seguintes vão ficar por conta do piloto, observando os mais experientes e alargando aos poucos seus próprios limites. Minha idéia aqui é apenas colocá-los na areia sem grandes temores e com alguma noção da coisa.

Para terminar, faço mais algumas observações:

A praia é dos banhistas. Devemos dar toda prioridade a eles. Muito cuidado com crianças. Ao ver pessoas na praia, reduza bastante a velocidade em sinal de respeito. Mantenha sempre o farol alto aceso.

Depois do passeio, para evitar a corrosão causada pela maresia, lave a moto com muita água e pulverize óleo spray com generosidade, cuidando sempre de proteger, com sacos plásticos, os discos de freio.

A lubrificação da corrente deve ser mínima. Eu costumo lubrificar a corrente com uma mistura de óleo fino (Singer) com grafite em pó. Desta forma, quando eu colocar a moto na areia restará praticamente apenas o lubrificante sólido, o grafite. Evito assim que se forme na corrente aquela mistura altamente abrasiva de graxa e areia.

Também costumo melar de graxa as partes internas da caixa do filtro de ar. Quando eventualmente a areia chegar ali, ficará grudada da graxa. O espaço de tempo para a limpeza do filtro de ar deve ser reduzido. Idem para a troca de óleo do motor.

Para proteção prévia, graxa branca nas partes mais vulneráveis como a raiação das rodas. O o óleo que mais resiste à água salgada sem deixar que esta corroa componentes metálicos é o óleo ATF, aquele óleo que usamos na suspensão dianteira. Pulverizar este óleo antes do passeio ajuda muito a evitar a ferrugem.

Caso esteja levando garupa, ela deve comportar-se tal como na estrada. Sem fazer movimentos bruscos e ficar grudada ao piloto. O ideal é que ela desenvolva reflexos para que quando o piloto tirar o traseiro do banco ela, ato contínuo, o acompanhe, levantado-se um pouco também. Com garupa não se deve ficar de pé nas pedaleiras, só se levantar um pouco do banco.

Lembrando sempre, comece devagar e vá ganhando confiança ao poucos.


Cuidado, em muitas praias o mar, na maré cheia, bate nas falésias ou pedras. É necessário tomar conhecimento da tábua de marés, pois há o risco de se ficar imprensado, ilhado ou até de perder a moto. O ideal é começar o passeio algumas horas antes da maré ficar completamente baixa.

Mais um importante detalhe para quem vai andar de moto na areia da praia: É extremamente necessário levar uma quenga na garupa. Normalmente elas ficam tomando sol na linha da maré alta. Convide uma delas, a mais jeitosa, e leve-a consigo. Ela será de muita valia. Ajudará a estacionar a moto e será fundamental na hora de tirar fotos. Tudo bem que cada vez que ela volta para a moto vem mais suja de areia. Cuide bem da bichinha porque nem sempre você encontrará, quando precisar, uma quenga que preste. Sem uma boa quenga de coco para calçar o descanso ao estacionar na areia, a moto corre o risco de cair.

Percebi logo que não seria fácil teorizar a respeito de técnicas para pilotar na areia. Mesmo assim, fiz um esforço escrevendo sobre como dar os primeiros passos. Evidentemente, o assunto não se encerra no que eu escrevi. Nada como estar demostrando e dando as dicas ao vivo no momento em que estivermos rodando na areia, ensinando e aprendendo.

Nunca deixe um amigo para trás, ele poderá estar em dificuldade. Entramos juntos em uma trilha ou em praias e devemos sair juntos. Que viajar ou apenas curtir um passeio em beira de praia pilotando uma motocicleta seja mais um horizonte aberto dentre os muitos que a vida sobre duas rodas nos dá.

Concluo lembrando; na areia, a insegurança pode nos derrubar, mas o excesso de confiança pode nos matar.

Luiz Almeida


Texto extraido de
http://historiasdemotocicleta.com.br/
http://www.ciceropaes.com.br/texto_areia.html

Um comentário:

anibala disse...

É isso aí, quero logo por em pratica toda essa ajuda, conselho ou orientação que nosso amigo motociclista passou, vale a voz ou escrita dos mais experientes. E agradeço ao Autor, Sr. Luiz Almeida em se preocupar com os iniciantes, quiçá um dia pilotar num passeio com essas figuras.
Abraços a todos,